O Passado do Continente no presente, 30º aniversário da Convenção de La Valetta (Malta) para a protecção do património arqueológico na Europa

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(consulté le 20/09/2023)

Por iniciativa da Cátedra Jean Monnet, da Universidade de Paris Nanterre, do Inrap (Institut National de Recherches Archéologiques Préventives) e do Minitério da Cultura francês realizou-se em Paris um Encontro Internacional que procurou ensaiar um balanço do impacte da Convenção nas práticas arqueológicas, nos diferentes países europeus.

O encontro contou com vários participantes, a título individual, que transmitiram as suas visões sobre a praxis arqueológica nos respectivos países e representações institucionais, Conselho da Europa, European Archaeological Council, Associação Europeia de Arqueólogos (EAA), bem como algumas intervenções convidadas, de que se destacam as de Vincent Negri, que expôs a evolução do quadro jurídico internacional de protecção do património, desde 1922 aos nossos dias, ou a de Jean-Paul Demoule, professor emérito e antigo presidente do Inrap, que abordou um tema central, que cruzou várias das intervenções: Arqueologia preventiva na Europa: serviço público ou mercado comercial?

Mesa inaugural do Encontro, da esquerda para a direita: Terje Birkrem Hovland, vice-presidente do Comité directeur de la culture, du patrimoine et du paysage do conselho da Europa; Ricardo González Villaescusa, Universidade de Paris Nanterre, Cátedra Jean Monnet; Dminique Garcia, Presidente do Inrap.

Em duas jornadas muito ricas em informação, foi possível verificar os aspectos mais positivos da Convenção, a saber, a consolidação de uma arqueologia preventiva, em lugar da arqueologia de emergência ou de salvamento; o nascimento generalizado da arqueologia como campo profissional. Com vozes críticas mais ou menos assertivas, conclui-se que a Convenção de Malta constituiu um importante marco para a arqueologia europeia, possibilitando um desenvolvimento exponencial do conhecimento do passado e das acções de conservação e valorização do património arqueológico. Reconheceu-se também haver ainda um longo caminho a percorrer para aproximar a arqueologia das populações e fazer delas parte activa nestes processos, uma vez que ao profissionalizar a prática arqueológica se afastou o envolvimento cidadão, quer a nível individual, quer associativo. Há caminho por fazer na direcção do estipulado pela Convenção-Quadro Europeia sobre o valor do Património Cultural para as Sociedades (Faro, 2005), apesar de muitos países disporem de plataformas digitais de livre acesso que reúnem os relatórios das intervenções arqueológicas realizadas – uma medida que, incompreensivelmente, o nosso Ministério da Cultura teima em não adoptar.

Nos diferentes países da Europa, a aplicação da Convenção de Malta seguiu caminhos diversos, desde as opções de conservar a arqueologia na esfera pública, como serviço que compete ao Estado assegurar (casos da Dinamarca ou da França onde não há ou quase não há arqueologia empresarial) aos casos de teor neo-liberal, com o Estado a assumir um papel fiscalizador, mas ausente das intervenções concretas de arqueologia preventiva, como é o caso português ou croata. Estes dois países partilham ainda o percurso comum de terem criado institutos públicos dedicados à Arqueologia, posteriormente extintos e integrados em instituições de gestão do Património Cultural de pendor generalista, onde a especificidade arqueológica se diluiu.

Sem surpresa, os países onde é maior a liberalização das intervenções arqueológicas, há problemas na gestão e conservação dos espólios arqueológicos; igualmente sem surpresa, regista-se um problema transversal de afectação dos sítios, pela acção dos detectoristas, quer lúdicos, quer associados ao tráfico ilícito de antiguidades, facilitado pelo esbatimento das fronteiras.


Carlos Fabião